Um agente poderoso, capaz de combater a corrupção e as mazelas do país. Apesar dessa imagem heroica, reforçada por operações famosas, como a Lava Jato, os integrantes da Polícia Federal enfrentam problemas como a falta de um plano de carreira, estresse, alcoolismo, ansiedade, depressão e até mesmo suicídio.
Segundo a Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), de 1999 a 2003 foram apuradas oito ocorrências de suicídio dentro do quadro de servidores da instituição. De 2005 a 2009, foram registrados dez casos. Já entre 2010 e 2014, essas mortes chegaram a 22, o que representa 120% de aumento no número de agentes que atentaram contra a própria vida.
Em uma pesquisa realizada pela Fenapef, em 2013, 30% dos entrevistados admitiram tomar algum tipo de medicamento para tratamento psicológico ou psiquiátrico. “Oficialmente, existem apenas um psiquiatra e cinco psicólogos para atender toda a PF”, afirmou a assessoria da federação.
O presidente da entidade, Jones Leal, acredita que o regime militarizado ao qual os agentes federais se submetem tem contribuído para que os casos aumentem. Além disso, os registros de assédio moral por parte dos gestores podem contribuir para que doenças psicológicas se agravem.
“Os agentes ficam longe da família, expostos a situações estressantes e quando se reportam ao órgão para pedir ajuda, além de não receberem o tratamento adequado, acabam sendo marginalizados, encostados em suas residências. A vergonha em solicitar apoio agrava a situação”, afirma Leal.
Já Alexandre Sally, presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Federal em São Paulo, diz que a falta de perspectiva de crescimento na carreira provoca desânimo na categoria. “A pessoa acaba se aposentando por falta de oportunidade de crescer”, conta.
Sally explica que a ausência de um sistema baseado na meritocracia, que valoriza aqueles que mais se dedicam, tem desmotivado os profissionais.
“Além disso, há muito assédio moral dos superiores e uma jornada de trabalho excessiva”, afirmou o sindicalista. “Para se ter uma ideia, no estado de São Paulo inteiro o efetivo da Polícia Federal é de cerca de 1,5 mil pessoas, entre agentes, delegados e peritos. Para dar conta do serviço era necessário pelo menos o triplo disso.”
Procurada, a PF disse que seu quadro é informação reservada e não faria comentários. Sobre os problemas psicológicos, igualmente preferiu o silêncio: “A Polícia Federal também não comenta a suposta relação entre casos de suicídios e o trabalho no departamento”.
ENTREVISTA/ Guaracy Mingardi_ Cientista político
Ex-investigador de polícia e especialista em segurança, Guaracy Mingardi é cientista político, mestre pela Unicamp e doutor pela USP.
DIÁRIO_ O efetivo da Polícia Federal, com 1,5 mil homens no estado de São Paulo, é suficiente?
GUARACY MINGARDI_ Depende dos objetivos da instituição. Se fosse uma polícia apenas de investigação, seria suficiente. Mas não é o caso.
Quais as atribuições da Polícia Federal no Brasil?
Ela faz muita coisa. Desde a emissão de passaportes até cuidar de fronteiras e combater o tráfico internacional. São generalistas. Para se ter uma ideia, se houver furto numa universidade federal, a PF é que é chamada.
Cite mais exemplos.
A Polícia Federal cuida desde lavagem de dinheiro a questões referentes a reservas indígenas, passando por crimes de estelionato e outras coisas mais. Nesse contexto, o atual efetivo é muito insuficiente. Mas já foi bem pior. Houve um tempo, não muito distante, em que havia dois agentes de plantão por turno no Porto de Santos, o maior do Brasil.
Existe um plano de carreira para a categoria?
Não. E, além disso, a instituição tem investido apenas nos delegados, e não nos agentes. Isso é um equívoco. Eles são a maioria dentro da corporação.
Análise/ Maria da Graça Gonçalves, professora de psicologia da PUC-SP
É comum as pessoas idealizarem algumas profissões. A mídia ajuda muito nisso, tratando com glamour alguns ofícios e situações. Penso que é isto que está acontecendo com a carreira de agente da Polícia Federal. Acredito que muitos jovens, no momento de escolher com o que vão trabalhar, acabam influenciados por essa exposição. O problema é que nesse contexto muita gente faz a opção sem ter as informações corretas. O processo de escolha tem de levar em conta múltiplos fatores, como o que essa carreira oferece, chances de crescimento profissional, e não apenas por uma análise limitada a partir do glamour.
‘Japonês’ é a cara mais famosa da PF e já virou até marchinha
Nilton Ishii, um dos coordenadores da carceragem da Polícia Federal em Curitiba (PR), é o rosto mais conhecido da Operação Lava Jato, que busca os responsáveis por desvios na Petrobras nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, ambos do PT. Conhecido popularmente como “Japonês da Federal”, Ishii aparece sempre ao lado dos famosos presos da operação, como o ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, e o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu. A popularidade é tanta que o agente virou uma das principais apostas de fábricas de máscaras para o Carnaval e é tema de marchinha (“Ai meu Deus / Me dei mal / Bateu na minha porta o japonês da Federal”).
Numa outra ponta dessa fama, Nilton Ishii é investigado por suposta venda de informações sobre a operação. Uma das suspeitas é que ele teria vazado parte da delação de Nestor Cerveró ao banqueiro André Esteves. Ele trabalha há 40 anos na instituição e em 2003 foi investigado por corrupção e por integrar quadrilha de contrabandistas, mas acabou inocentado.
Jovens querem ser os agentes de amanhã
Idealistas, bem preparados fisicamente, dispostos ao sacrifício para ter uma carreira admirada e que remunera bem. Esse é o perfil da maioria dos jovens que frequenta cursinhos preparatórios para concursos da Polícia Federal.
O DIÁRIO conversou com sete deles numa escola que funciona na região central de São Paulo. “Ser agente da Polícia Federal é um sonho para mim”, afirmou Cláudia Magalhães. “Meu pai era militar e sempre tive isso na cabeça, mas acabei me formando em administração porque a PF exige curso superior para ingressar”.
Outro aluno, George Fares reconheceu que a exposição na mídia dos agentes da PF contribuiu para sua escolha. “Quando vejo a imagem de um policial federal na Operação Lava Jato meus olhos brilham”, afirmou. “Me vejo naquela situação e tenho a certeza de que fiz a escolha certa”.
Para Julyana Aguillera, o salário estimula, mas não é preponderante. “Existem outras carreiras federais, como a de tribunais, que pagam mais e são mais fáceis de entrar”, contou. “Estamos aqui porque queremos ser da Polícia Federal”, disse a concurseira.
Segundo o Sindicato dos Servidores da Polícia Federal em São Paulo, um agente da PF tem salário inicial de R$ 7,9 mil, que pode chegar a R$ 11,9 no topo da carreira.
“É claro que é um bom salário num país como o nosso”, reconheceu Felipe Bergamini, outro pretendente. “Mas não basta isso. Temos o sonho de servir às pessoas”.
Dos entrevistados, apenas um vai prestar o concurso pela primeira vez: William Dentello. Os outros estão na segunda ou terceira tentativa.
Em 2014, quando houve o último concurso para a instituição, havia 98.101 inscritos para 600 vagas. Uma relação de 163 candidatos para cada ao cargo de agente. Até agora, não há confirmação de novas provas.
http://www.diariosp.com.br/mobile/noticia/detalhe/89473/pf-denuncia-alta-de-suicidios-na-corporacao