O sindicalismo para os policiais federais é jovem. Começou junto com a Constituição de 1988. Para se ter uma ideia, os primeiros sindicatos inaugurados, representando todas as categorias da PF, foram os: Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul (SINPEF/RS) e o Sindicato dos Policiais Federais no Paraná (SINPEF/PR), também em 88.
Neste mesmo ano e nos dois seguintes, outros estados fundaram suas entidades e, em 1990 surge a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) congregando os 27 sindicatos de todo o país. Por esse motivo, os sindicalistas que representaram e ainda representam esses policiais, não trouxeram o know-how ou mesmo possíveis falhas oriundas dos movimentos sindicais mais antigos que ganharam força na década de 70.
Na avaliação do presidente da Fenapef, Luis Antonio de Araujo Boudens, os sindicatos brasileiros passaram por grandes mudanças após a Constituição Federal de 1988. Em sua opinião, a primeira veio na inclusão dos servidores públicos no rol de trabalhadores a serem organizados e defendidos por uma estrutura sindical,obrigando servidor e administrador a permanentes negociações. “Sem a regulamentação da Convenção 151 da OIT, o maior desafio, entretanto, foi justamente fechar acordos com os servidores públicos sem haverem fixado em lei a data-base e a validade dos acordos coletivos assinados entre Governo e os entes sindicais”, argumenta.
Para Boudens, no âmbito da Polícia Federal, o sindicalismo enfrentou outras situações adversas, além das abarcadas pelo servidor público. “A Lei nº 8112/90, o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, dividiu o controle disciplinar dos policiais federais com uma lei ditatorial sancionada em dezembro de 1965, dois meses após a edição do Ato Institucional nº 02, que servia ao controle militar do País”. E conclui: “Portanto, afora as questões de busca das garantias e direitos dos policiais federais, como servidores públicos, as entidades sindicais da PF cumprem assoberbada quota na defesa das agruras materializadas em processos administrativos disciplinares, baseados em previsões legais eivadas da natureza, não essencialmente militar, mas ditatorial militar”.
Alexandre Santana Sally, presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Federal do Estado de São Paulo, acredita que a sociedade ainda enxerga o sindicalismo de forma depreciativa. “Existe um ranço grande e antigo sobre a forma do sindicalismo no Brasil. Acontece que na Policia Federal, o sindicalismo é novo e nunca foi realizado por “sindicalistas profissionais”, por assim dizer. São policiais abnegados que abrem mão de seu lazer e convívio com a família e amigos procurando agir com total fidelidade à luta da categoria e, no caso de São Paulo, sem receber qualquer tipo de pró-labore ou remuneração, além de seus salários”.
“Infelizmente muitos colegas criticam a atuação sindical sem mesmo participar de Assembleias e manifestações, fazendo com que suas críticas sejam vazias e desprovidas de fundamentos, simplesmente por não terem participado de qualquer ato que pudesse expor seu ponto de vista. Muitos desses colegas criticam apenas pelos que outros falam a eles, e por vezes, ao procurarem a verdade descobrem que estavam equivocados. Essa crítica é necessária para que os colegas possam cobrar do sindicato fundamentadamente, mas também apresentem sugestões de soluções e participem ativamente da luta sindical, em que sua identidade será sempre preservada, nunca exposta. Por exemplo, não adianta um colega de posse de um documento que comprove um abuso da administração, apenas falar para o sindicato o que aconteceu e recusar-se a fornecer tal documento para que o sindicato tenha condições concretas de adotar as providencias necessárias”, completa Sally.
O presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (SINDIPOL/DF) e vice-presidente da Fenapef, Flávio Werneck acredita que o sindicalismo brasileiro amadureceu. “A posição hipossuficiente de seus representados sempre foi a tônica. Mas as estratégias e meios de alcançar os objetivos tiveram que se adaptar aos novos tempos e necessidades da sociedade. Vejo representações mais preparadas”. Por outro lado, Werneck avalia como ponto negativo uma tendência de involução dos direitos trabalhistas e de representação, e “a luta é imensa, tendo em vista a composição do Congresso Nacional e as soluções até agora apresentadas para resolver a crise econômica”.
“(…)o grande desafio encontra-se na mobilização de toda a categoria em torno de um projeto “-Vicentine em atividade sindical. Foto: Sinpef-PR
Fernando Augusto Vicentine, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Estado do Paraná, diretor adjunto da Fenapef, um dos mais antigos sindicalistas da categoria, acredita na preparação do profissional. “Hoje o sindicalismo está se obrigando a buscar a profissionalização, não existe mais espaço para lideres mal informados, para pessoas despreparadas à frente das instituições sindicais, que precisam de atualização em suas normas e estatutos, transformando o sindicato em uma empresa, com todas as suas implicações dentro de um mundo competitivo e globalizado,o que é positivo e melhora a gestão. O fator negativo se encontra no distanciamento das pessoas, cada vez mais voltadas para a individualidade”, explica.
Miriam Modesto, jornalista e especialista na área sindical, avalia que o sindicalismo nacional está “extremamente ultrapassado”. Ela destaca que o perfil do trabalhador mudou. “O trabalhador da década de 30 era uma pessoa, da década de 70, outra. Hoje temos o analfabeto funcional, mas que tem acesso à informação. Ele sabe o que está acontecendo. Ele pode não ter opinião formada, mas sabe o que está acontecendo e está muito mais antenado no seu setor. Diante do cenário político nacional, diante dos escândalos e tudo mais, o que vemos é uma classe trabalhadora desacreditada, que não acredita mais no sindicalismo”.
Em 2014, a especialista fez uma pesquisa, por amostragem, com dois mil trabalhadores no quesito credibilidade. O resultado apontou que 78% dos trabalhadores não acreditam no que eles têm hoje como sindicalismo representativo.
“A instituição Sindicato, a entidade sindical, precisa encarar que ela não precisa mais procurar o trabalhador, o seu representado somente em épocas de acordo coletivo, de convenção coletiva. O trabalhador não quer mais isso, ele quer uma entidade que ofereça serviços, que ofereça qualidade, que seja um braço dele estendido, uma interligação entre ele, o poder público e o patronal. Hoje, o trabalhador quer uma relação tripartite”, explica Miriam Modesto.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Miriam Modesto defende a necessidade de maior envolvimento do trabalhador junto à entidade sindical. “O sindicalismo nada mais é do que uma vertente da política, só que uma política sindical. É muito fácil, é muito cômodo para o trabalhador apontar os erros, as deficiências de sua entidade de classe, mas são poucos que se comprometem. Reclama quando o imposto sindical é descontado de seu salário, mas quando tem algum problema junto à sua representação, sabe correr no sindicato e pedir apoio. O trabalhador tem que entender que é uma via dupla que vai e volta. Está na hora dele também participar”, argumenta.
“Para o sindicalismo na PF o grande desafio encontra-se na mobilização de toda a categoria em torno de um projeto focado e que atenda principalmente a ansiedade de nossa base que tem interesses difusos e distanciados do profissionalismo em razão das brigas internas e da desvalorização orquestrada pelos gestores”, explica Vicentine.
“Acredito que temos um longo caminho de conquistas. A segurança pública brasileira está falida. Necessita evoluir. E dentro dessa necessidade temos que buscar as soluções exitosas em outros países. Os sindicatos têm papel preponderante na propositura dessas alterações legislativas e na evolução necessária das técnicas e doutrinas que devem ser adotadas”, afirmou Werneck.
Sally concorda com Werneck e acrescenta: “Sempre existirão novos desafios no sindicalismo. À medida que se vence uma etapa, outra nova aparece. O grande desafio é não ficarmos estagnados, uma categoria mais consciente, participante e integrada, que vá bem além das questões salariais. Se conseguirmos melhorias nas condições de trabalho, teremos também uma mudança significativa na qualidade de segurança pública de nossa sociedade”.
Para Boudens, toda representação sindical deve passar por reanálise periodicamente, “até para medir a efetividade do cumprimento do seu mister”. E explica: “ Responder a perguntas simples, como, por exemplo, “qual o grau de satisfação dos seus representados com a entidade?”, pode trazer a medição correta de que a entidade está no caminho certo”.
“Com o atual cenário de crise política e, por conseguinte, de muitas incertezas, o papel dos sindicatos ganhará importância na busca de preservação dos direitos à previdência e à aposentadoria especial dos policiais federais. Anúncios de reforma previdenciária sempre serão fantasmas a assombrar os profissionais da Segurança Pública, pois há ainda muita incompreensão com a atividade de risco exercida pelos policiais”, conclui o presidente da Federação.