Segurança pública e eleições municipais 2020: o irresponsável discurso vazio e populista de combate à criminalidade, por Roberto Darós

8 de dezembro de 2020

 

Concluímos mais um processo eleitoral municipal que foi consumado em 1º e 2º turnos de votação. Agora os 5.570 municípios brasileiros vivem a esperança de que os novos gestores públicos eleitos tragam as soluções para tantos problemas do convívio social na municipalidade, em meio as crises políticas geradas no contexto de excepcionalidade da pandemia Covid-19. Ainda sentindo o impacto da tragédia de milhares de mortes e uma profunda dor latente nos corações das famílias brasileiras atingidas pela referida adversidade da crise sanitária, literalmente agravada pelas medidas emergenciais decididas e impostas de forma descoordenadas e conflitantes pela gestão pública que ficaram evidenciadas em mesquinhos confrontos políticos.

Somam-se também a esses dados assustadores da crise sanitária, o aumento do índice de criminalidade (4%), recentemente divulgado, que tem se elevado em todo o país. Essa constatação se consolida na realidade eleitoral em que o ano de 2020 ainda não terminou e já foram ultrapassados os níveis de violência do ano passado. Aqui no ES, uma unidade federativa com menos de 4 milhões de habitantes, a “trombeta do apocalipse” que sentencia a deficiente gestão administrativa na área de Segurança Pública, tocou efusivamente e sinalizou mais de 1000 homicídios neste mês, superando com folga o ano de 2019.

Mas como o assunto criminalidade foi tema recorrente nas campanhas eleitorais municipais, seguindo a mesma tendência da eleição presidencial de 2018, torna-se extremamente importante analisar as “promessas” dos candidatos (prefeitos e vereadores) sobre esta mencionada questão. A maioria deles prometeu resolver o problema da violência urbana e a redução dos índices de criminalidade, apresentando “fórmulas mágicas” por meio de discursos vazios e populistas que não possuem fundamento na Ciência Policial ou nas tradicionais técnicas de gestão da atividade de polícia.

As mencionadas promessas de campanha afirmaram suas intenções em extinguir o crime e pacificar a sociedade, utilizando-se e ampliando os efetivos das guardas municipais. Nesse aspecto, o eleitor tem o direito de saber que isso é promessa falsa (ou fake news, se preferir), sem fundamento técnico ou jurídico. Os municípios ainda não possuem a competência constitucional para legislar sobre Segurança Pública e isso cria uma radical limitação. A estruturação de uma corporação da GCM deve seguir diretrizes constitucionais e a legislação ordinária, estando condicionada ao § 8º da CF de 1988 que diz: “Os Munícipios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações”, conforme foi disposto também na Lei 13.022, de 08/08/2014, o Estatuto Geral das GCMs, enfatizando no § 4º essa mencionada competência geral.

Esta é a atividade fundamental da GCM, embora no desempenho de suas funções, pode e deve atuar coibindo e reprimindo os “crimes de menor potencial ofensivo”, tendo em vista sua atuação muito próxima à comunidade, interagindo com as lideranças sociais, os religiosos e a sociedade em geral. Mas, jamais envolver-se em confrontos armados radicais de quadrilhas e facções criminosas de alta periculosidade. Esta tarefa é da PM (patrulhamento e prevenção) e PC (investigação criminal).

Defendo a ideia de que essa limitação em lei imposta a GCM deve ser rapidamente modificada, mas pelo legislador constitucional e não pela falsa promessa arbitrária dos políticos municipais e gestores irresponsáveis. É urgente a necessidade de transformá-la em “polícia municipal” para ampliar e consolidar sua atuação junto a comunidade, influindo diretamente na redução e controle da criminalidade. Esta é minha posição acadêmica. A modificação constitucional deverá incluir a GCM no rol de corporações policiais descritas nos Incisos I a VI, do Art. 144 da CF de 1988, como foi feito com os inspetores penitenciários, através da EC 104/2019, que foram transformados em Polícia Penal. Caso contrário, os trabalhadores-GCMs estarão sempre fragilizados em seus direitos laborais e totalmente expostos à ilicitude administrativa durante suas atividades operacionais, em confrontos com criminosos, pois estarão atuando em desvio de função, com a evidente usurpação da função de prevenção e repressão dos delitos durante as atividades de patrulhamento ostensivo, legitimamente constituída essa função à PM. Quando o confronto ocorrer com mortes, o MP sempre sinalizará o rigor e o formalismo imposto pela lei, em detrimento do empenho e dedicação inconstitucional da atuação da GCM.

Portanto, é mentiroso o discurso de candidatos políticos que se apresentam aos eleitores como excelentes gestores na área de Segurança Pública, alegando que possuem a solução imediata para a extinguir a violência urbana e aniquilar o fenômeno criminológico que tanto assusta e causa angústia aos cidadãos brasileiros, através da atuação da GCM nesse modelo ultrapassado e falido de Segurança Pública. É bom estar alerta e não se deixar enganar pelo discurso falacioso e cobrar dos gestores eleitos a solução científica e política adequada e viável, porque a escolha equivocada será a condenação da municipalidade ao sofrimento social com o aumento da violência diária.

Roberto Darós é Advogado Criminalista; Mestre em Direito Processual Penal (UFES); Professor de Ciências Penais e Segurança Pública (UVV); Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF).

artigo publicado em 6 de dezembro no jornal A Gazeta

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