Com a decisão, a PEC 168/2019, que propõe uma PF mais moderna e eficiente, ganha ‘vida própria’ no Congresso
A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados decidiu, nessa quarta-feira (04), que a PEC da Eficiência (PEC 168/2019) vai tramitar sozinha. O texto estava apensado à PEC da falsa autonomia da Polícia Federal (412/2009). Com o desapensamento, a proposta defendida por cerca de 90% dos policiais federais do Brasil vai tramitar no Congresso com as próprias pernas.
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) é autora da PEC 168/2019, encampada pelo deputado Aluisio Mendes (PSC-MA). Ela propõe uma Polícia Federal (PF) baseada na meritocracia, com autonomia de investigação e entrada única pela base da carreira policial.
Aluisio Mendes, que antes de ser eleito deputado foi agente por trinta anos, defende que a proposta dará à Polícia Federal o modelo adotado pelas melhores polícias do mundo.
Os policiais federais são contrários ao que propõe a PEC 412/2009. Entendem que ela promoveria o desmanche da PF, já que o texto propõe a retirada do texto constitucional de toda a estrutura da corporação, em nome de uma falsa autonomia que seria regulamentada por lei complementar. A categoria explica que isso deixaria a instituição vulnerável aos interesses políticos.
A PEC da Eficiência, ao contrário, é um projeto para modernizar a Polícia Federal. Assim, a tramitação conjunta não faz sentido, já que são propostas diametralmente opostas.
Abaixo, explicamos detalhadamente porque a PEC da Eficiência é tão importante:
1 – Como surgiu a proposta?
Ela é baseada em conceitos propostos e utilizados pelas polícias mais modernas do mundo já há muito tempo. Aliás, hoje apenas a Guiné Bissau e o Brasil não adotam o ciclo completo de investigação.
2 – Por que o ciclo completo torna a polícia mais eficiente e a segurança pública mais efetiva?
Porque evita a repetição de atos como oitivas, depoimentos e pilhas de papel se acumulando nas delegacias, gerando excesso de trabalho (retrabalho) e a “escolha” do que é mais relevante para ser investigado, por critérios subjetivos da chefia. Ou seja, os atos considerados “irrelevantes” ficam, então, no fim da fila. No topo, os tidos como prioritários ou que chamam mais atenção da mídia.
O ciclo completo permite que o policial que presencia ou chega primeiro à cena do crime conduza a investigação. Ele elimina a necessidade de que um policial atenda a uma ocorrência, mas tenha que encaminhar a vítima até uma delegacia, onde é feito o boletim de ocorrência. O ciclo completo de investigação faz com que, desde a cena do crime, já exista um laudo dos investigadores, com as informações básicas: a que horas o crime ocorreu, quem é a vítima, oitiva das testemunhas e início imediato das investigações.
O ciclo completo é uma grande redução de etapas do processo, já que o policial passa a ter funções de caráter ostensivo e investigativo.
O que ocorre hoje é que a parte de rito – ou procedimentalista – supera a parte de investigação – objetiva. Isso acontece no Brasil desde 1831, quando essa primeira formatação de inquérito policial chegou de Portugal. Aliás, vale destacar que Portugal sequer usa esse modelo atualmente.
Além disso, no Brasil, um órgão de polícia faz a atividade de prevenção ao crime e outro a de investigação. Como exemplo, nos Estados, a Constituição Federal atribuiu à Polícia Militar a atividade de prevenção e à Polícia Civil a atividade de investigação. Para um efetivo combate ao crime, é muito mais eficiente que uma polícia seja capaz de atuar da investigação até o fim, unindo sua expertise operacional à sua capacidade investigativa.
3 – Um exemplo prático:
Vamos pensar num homicídio. Em qualquer lugar do mundo, quando isso acontece, policiais que iniciam a investigação, no local do crime, ordinariamente, seguem com ela até sua resolução e encaminhamento ao MP ou ao Juiz de Instrução.
No Brasil, normalmente, é acionada a Polícia Militar. Os policiais isolam o local, preservam a cena do crime e esperam a chegada de um perito. Ele chega, faz seu trabalho e parte para a elaboração de um laudo, que pode demorar até 30 dias, dependendo da complexidade do caso.
Se o boletim chegar a uma delegacia de polícia sem maiores investigações, não há como saber se o homicídio está ligado a outro crime, como tráfico de drogas, por exemplo. E a investigação já começa “capenga”. E, pensemos numa delegacia atolada de trabalho. Como será a definição de quando o crime em questão será investigado? Isso dependerá de uma avaliação que é sempre subjetiva.
No caso de um crime considerado menos grave, por exemplo, é ainda pior: quem vai ao local para atender à ocorrência, ouvir as testemunhas e conhecer o local é a Polícia Militar (PM), mas a Polícia Militar não pode investigar. Esse papel é da Polícia Civil.
A PM não pode sequer fazer o cruzamento de informações, analisar os crimes mais frequentes na região, quem já foi preso por ações semelhantes, quem já foi condenado.
Na Polícia Civil, o boletim vai enfrentar a seletividade. É ela, que não presenciou o caso, que definirá o que vai ou não virar investigação.
E se o crime acontece numa cidade onde não há uma delegacia de polícia? Como a testemunha do crime chega até lá? Se ela não tiver como, uma equipe da Polícia Civil terá que ir até ela para tomar o depoimento. Mas o normal é o deslocamento de todos (policiais, testemunhas e acusado) para a cidade mais próxima onde há uma delegacia. Já pensou no custo disso para o país?
4 – As polícias estão preparadas para esse modelo?
Sim, segundo dados das secretarias de segurança pública, as ocorrências de menor potencial ofensivo correspondem a mais de 80% das ocorrências policiais. Na maioria dos estados do Brasil a Polícia Rodoviária Federal – PRF já lavra o Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO, liberando as partes no local (com o compromisso de comparecem em juízo conforme prevê a Lei n° 9.099/95) e a Polícia Militar (PM) já o faz em vários estados.
5 – Como essa nova proposta atinge especificamente a Polícia Federal?
A Polícia Federal é o único órgão policial no Brasil ao qual a Constituição atribuiu as funções de polícia administrativa e polícia investigativa, conjuntamente, ao que a doutrina conceitua como “polícia de ciclo completo”. Como exemplo, quando a Polícia Federal realiza a atividade de emissão de passaportes (função de polícia administrativa) e verifica que foram apresentados documentos falsos, passa também a investigar o crime de falsificação de documento (polícia investigativa), não precisando encaminhar o caso para que seja investigado por outro órgão policial. Por outro lado, embora a Polícia Federal seja um órgão de ciclo completo, os policiais não atuam em ciclo completo, pois lhes falta uma carreira única. Atualmente, na Polícia Federal, os cargos policiais (Agentes, Escrivães, Peritos e Papiloscopistas) que atuam nas investigações de crimes e detêm a expertise policial são impedidos de iniciar e concluir uma investigação e encaminhar relatório ao Ministério Público para que se verifique a viabilidade ou não da propositura da ação penal.
6 – Detalhando mais um pouco:
Os policiais investigam, realizam levantamentos e análises sobre a autoria, materialidade e circunstâncias do crime. Porém, a conclusão das investigações é reservada a outro cargo, o de delegado federal. Este não participa diretamente das investigações, cabendo-lhe juntar o Relatório de Investigação ao inquérito policial, com as oitivas de investigados e testemunhas e eventual laudo pericial, que são encaminhados com o relatório do inquérito policial para o Ministério Público.
7 – Como o Ciclo Completo impacta o orçamento da Polícia Federal?
Torna tudo mais econômico. Em vez de pagar para que vários processos sejam feitos, a sociedade brasileira passa a pagar por apenas um. Além disso, o prazo para investigação é menor. São menos servidores públicos necessários para concluir uma mesma tarefa, por muito menos tempo e com mais eficiência.
8 – A entrada única melhora exatamente o quê?
Ela torna o processo mais lógico, mais racional e mais justo. Quem é aprovado no concurso público entra pela base da carreira e cresce por mérito e por qualificação. Hoje, um agente entra na corporação sabendo que nunca poderá chegar ao topo da carreira, que tem um ingresso diferente. Eventualmente, o chefe, recém-chegado na corporação, não tem a experiência acumulada por um agente e nem a especialização técnica – seja formação específica, sejam cursos de qualificação pagos pela própria Polícia Federal. Atualmente, existem cinco concursos distintos para cada um dos cinco cargos da Carreira Policial Federal (Agente, Escrivão, Papiloscopista, Delegado e Perito).
Fonte: Fenapef