Artigo: Roberto Darós – Reestruturação e Modernização da Segurança Pública Brasileira

2 de junho de 2023

A Segurança Pública é um direito fundamental dos cidadãos brasileiros preceituado desde o Preâmbulo da CF de 1988: “…instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça…”, sendo reafirmada como direito individual e coletivo diante do princípio da igualdade contido no Art. 5º: “…a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”, além de também ser pontuada como direito social no Art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o laser, a segurança..”, concretizando a intenção inequívoca do legislador constituinte originário na construção de todo o Título V, Capítulo III, Art. 144, com seus incisos e parágrafos.

Entretanto, os atos políticos governamentais são evasivos e sempre se recusam a tratar com prioridade e urgência a discussão e elaboração de políticas públicas estruturantes e efetivas para a área de Segurança Pública. O que se tem como resultado são as terríveis consequências de um sistema ineficiente em “permanente colapso estrutural”, principalmente nos grandes centros urbanos em que se percebe o fracasso cíclico das mesmas políticas ultrapassadas e dispendiosas no enfrentamento da criminalidade, renovando indefinidamente a aplicação de medidas paliativas como subterfúgio para a ineficiência da mencionada gestão pública.

O que se espera do intervencionismo estatal são ações sociais legítimas que visem a implementar a tutela do direito, além de garantir a ordem por intermédio da Segurança Pública e a distribuição da justiça. A população se desenvolve sobre sua área territorial direcionada pela atividade social bem planejada e voltada ao progresso com harmonia. O poder policial que lhe é inerente viabiliza a política de Segurança Pública.

É importante ressaltar que a atividade policial deve ser pautada pelo estrito cumprimento das competências constitucionais específicas de cada corporação policial. Não existe “vácuo constitucional” a ser usurpado por órgão público ou privado. O que deve imperar é o estrito cumprimento do preceito constitucional e não as decisões pessoais e arbitrárias de gestores públicos conduzindo as forças auxiliares a atuarem fora de suas atribuições constitucionais, fragilizando ainda mais o sistema de Segurança Pública.

A prática de quaisquer atos discricionários deverá ser rigorosamente submetida ao controle de constitucionalidade, tendo em vista que a liberdade conferida à autoridade policial ou administrativa para escolher uma solução dentre aquelas autorizadas em lei, deve se mostrar adstrita aos contornos traçados pelo ordenamento normativo, sendo perfeitamente possível invocar a tutela judicial a fim de se invalidar qualquer ato discricionário que se afaste da diretriz constitucional.

Desta forma, torna-se necessária uma completa reestruturação do Capítulo III que trata da Segurança Pública, inserido na Seção III – Disposições Gerais, Título V – Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas, redimensionando completamente o Art. 144, da CF de 1988, para descrever quais são as corporações policiais que gerenciarão e atuarão nesta mencionada área e, muito mais importante ainda, quais as atribuições e competências específicas de cada órgão, evitando que o gestor público faça o entendimento que achar mais apropriado e se utilize disso para implantar uma equivocada política no combate à criminalidade, conforme seu entendimento, iludindo a população, tendo em vista que o § 7º, do Art. 144, da CF de 1988, que determina a organização e funcionamento dos órgãos policiais por intermédio de leis orgânicas individuais para cada corporação que nunca foram elaboradas, votadas e sancionadas ao longo de três décadas de vigência da atual CF de 1988, jamais foi regulamentado o referido preceito constitucional.

O Estado brasileiro deve ser o gestor da Segurança Pública garantindo a universalidade de seus efeitos, ou seja, proporcionar a incolumidade física a todos os cidadãos e efetivamente garantir que a política pública planejada para essa referida área surta os efeitos desejados. O indivíduo tem o direito de ser protegido pelo Estado.

A atividade policial é o instrumento estatal que mantém a ordem pública e o equilíbrio das instituições democráticas. A eficácia das corporações policiais em sua atividade preventiva ou na investigação criminal viabiliza o efetivo funcionamento do Poder Judiciário e a manutenção harmônica das condições sociais que lhe garantem o devido respeito da comunidade internacional.

Não há mais como ocultar ou ludibriar a população brasileira evitando se falar sobre o modelo ultrapassado do atual sistema de Segurança Pública que se encontra em “permanente colapso estrutural”, chegando ao limite do inaceitável. Os governos se sucedem sufocados pelo caos gerado pelos altos índices de criminalidade e permanecem durante toda a gestão tentando mudar o foco das discussões para não criar pânico social diante dessa calamidade diária.

O processo de modernização da área de Segurança Pública demanda efetuar uma releitura em toda a história da atividade policial no Brasil para se entender claramente que não há mais caminho para seguir, senão a completa mudança no sentido de implementar uma nova ideologia de redução e controle da criminalidade, substituindo o vigente modelo ultrapassado, moroso e ineficiente, por uma estrutura moderna que seja direcionada pelos “padrões de ação” eleitos pela comunidade.

Torna-se imprescindível conscientizar os segmentos sociais sobre a necessidade de reestruturação da área de segurança pública e defesa social. Além disso, muitos são os obstáculos impostos que impedem, direta ou indiretamente, este passo rumo à modernidade e a prestação de um serviço público de qualidade, com efetividade e competência, protegendo verdadeiramente a sociedade brasileira contra a criminalidade.

O preço a ser pago é o do reconhecimento das falhas administrativas e da péssima gestão pública dos escassos recursos orçamentários governamentais (em média, R$ 100 bilhões por ano) que são alocados para a área de Segurança Pública, somando-se a uma herança colonialista errônea de combate à criminalidade.

É chegada a hora de enfrentar todas as dissidências e a forte “doutrina negativa” das associações classistas elitistas, mostrando a sociedade brasileira como são planejadas, organizadas e executadas as políticas eficientes de Segurança Pública e Defesa Social nos países evoluídos que acumulam uma longa história de sucesso nessa área e conseguem construir soluções que fazem consolidar a democracia.

Neste contexto, o “ciclo completo da atividade policial” e a “carreira única” com ingresso exclusivamente pela base laboral tem demonstrado eficiência, celeridade e competência dos órgãos policiais que atuam nessas referidas nações democráticas e sociedades tradicionais.

É preciso utilizar-se das Ciências Policiais para entender o fenômeno criminológico e perceber o desespero e angústia da população, porque é extremamente difícil sensibilizar os parlamentares para que tenham a coragem de iniciar as mudanças estruturais adotando um novo modelo de Segurança Pública, tendo em vista a científica identificação da causa originária e cíclica da violência nesse atual sistema: o ultrapassado modelo de investigação criminal, as estruturas arcaicas das corporações policiais, o patrulhamento ostensivo deficiente e o baixo índice de resolutividade dos crimes, gerando a impunidade.

A reforma do sistema processual penal é o passo final rumo à consolidação de uma política criminal moderna que se fundamente nas garantias individuais e coletivas e que seja rígida no nível necessário ao cumprimento da pena em instalações de custódia que propiciem condições dignas de ressocialização para o indivíduo infrator da lei.

É responsabilidade de todos os segmentos sociais se envolverem com a busca de soluções para a redução e o controle da criminalidade e a proximidade na resolutividade está no comprometimento de todos, evitando-se elitismo e corporativismos egocêntricos. O sucesso da atividade policial repousa na colaboração do público, na cooperação social ao invés da hostilidade.

A busca por soluções dos problemas da comunidade e a implementação de programas voltados para o convívio social são modelos de sucesso para o policiamento comunitário que tenham como fundamento a cooperação e participação do cidadão nos problemas de violência local. A sociedade necessita visualizar o trabalho policial como um serviço público essencial e de alta qualidade e confiabilidade.

Portanto, vale ressaltar a necessidade de reestruturação e modernização da Segurança Pública. O primeiro passo rumo ao futuro é a valorização dos profissionais de todas as corporações policiais, dando-lhes apoio psicológico, social, médico, odontológico, jurídico, plano de carreira adequado e funcional, além de atribuir-lhes salários justos e dignos para o exercício de uma profissão que requer pessoas extremamente vocacionadas e avessas ao “exibicionismo” midiático (institucional ou pessoal) que somente lhes expõem a vida à vingança privada dos criminosos, criando uma falsa ideia de que a carreira policial seja glamorosa, tranquila e estável. Ao contrário, somente se fundamenta no perfil honroso e discreto do “herói anônimo” que se dedica a sociedade com competência e o sacrifício da própria vida, caso seja necessário.

Roberto Darós é Policial Federal (Aposentado), Advogado Criminalista (OAB/ES); Doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais (FDV) Mestre em Direito Processual Penal (UFES); Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF); Especialista em Direito Constitucional (UFES); Conselheiro Estadual de Segurança Pública (COESP/ES); Conselheiro Municipal de Segurança Urbana de Vitória (COMSU/ES). Professor de Direito Constitucional, Penal, Processual, Ciências Policiais e Segurança Pública.

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