APF aposentado, Fabio Domingos da Costa, ex-presidente do SSDPFRJ e atual Secretário Municipal de Políticas de Drogas de Niterói (SEPOD-NIT), após 28 anos de serviço prestados à Polícia Federal (1984-2011), durante a entrevista, relembra os anos em que ficou lotado na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), onde implementou um canil pioneiro na PF do Rio. Também foi diretor de fiscalização do Procon, cargo que exerceu entre 2013 e 2016. Casado há 35 anos com Ana Cristina Aboud e pai da biomédica esteta Jéssica, da farmacêutica Vivian e da servidora Thamirez, a personalidade do mês de setembro fala de política de combate às drogas, sua passagem pela PF e demonstra energia perto dos 60. Confira.
SSDPFRJ: Você tem vasta experiência como Agente na DRE(Delegacia Repressão a Entorpecentes), como está sendo enfrentar o problema de álcool e drogas como Secretário na SEPOD ?
FD: Eu trabalhei na repressão exclusivamente até ir para o Sindicato. Lá, eu já comecei a trabalhar com prevenção com a cartilha antidrogas ‘O Brasileirinho’. O que temos que entender é que o policial quando sai para uma missão, ele pode sair com diversos olhares. Pode ir para uma favela e só ver bandido, pode ver o lixo, a miséria, as pessoas vivendo em um pedaço de espuma que chamam de colchão, sob um telhado de zinco furado, no meio de ratos e moscas. Eu ia preocupado com a minha segurança e a dos meus amigos, mas via a pobreza, a miséria também. Ninguém vive aquilo porque quer. Então, quando eu começo a trabalhar com a prevenção, eu sei quais problemas a droga leva mais lá na frente, a questão do tráfico, os problemas que o dependente químico passa e causa, incluindo aí sua família.
SSDPFRJ: Como aconteceu a implementação de um canil na PF do Rio?
FD: Eu estava lotado na Fazendária, mas queria trabalhar com drogas na DRE. Também gosto muito de cachorros. Então, em 1989, fiz um curso de adestramento de cães para emprego policial, na Polícia Militar. Fui também para Brasília, em 1994, fazer outro curso, no canil central. Mas eles tinham resistência com o pessoal do Rio e, de cara, eu e os outros dois alunos do curso fomos reprovados. Mas sou muito disciplinado, insisti e consegui que mudassem os professores. Daí, nos aprovaram. Quando voltei para o Rio, o superintendente da época, Jairo Kullman, a colega Eliane e o Sindicato me ajudaram a concretizar o canil. Que eu saiba, ele foi pioneiro, porque não havia antes.
SSDPFRJ: Como vocês estão trabalhando na SEPOD com a retomada de atividades, após uma pandemia?
FD: Tivemos que interromper em um primeiro momento e depois adaptamos. Mas o trabalho de prevenção, para mim, continua sendo prioritário. A gente pensa muito em criança, mas, estando na Secretaria, me chamou a atenção o número de idosos que nunca teve problema com álcool e drogas e passou a ter ao chegar à 3ª idade. As razões são a perda de familiares, a aposentadoria, a ociosidade, a solidão. A pessoa cai em depressão, começa a usar o álcool, mas também remédios controlados a que ela tem fácil acesso. Antes do vírus, fazíamos palestras e seminários em escolas e atividades físicas nas praças e em hortos de Niterói.Agora, estamos realizando lives semanais com convidados sobre dependência química. As atividades esportivas como muay thai, yôga e meditação estão acontecendo on-line. Nossas alunas têm entre 30 e 79 anos, e são mulheres. Há poucos homens. Já tivemos retorno delas, elogiando o benefício que a atividade traz para a vida delas. Mas queremos ampliar ainda mais o projeto após a pandemia, levar para mais lugares.
SSDPFRJ: Qual sua visão sobre legalização e liberação de drogas?
FD: Ouço muita gente falando que “você tem que ver o lado do dependente químico. Tem que tratar apenas a diminuição de dano, que seria muito bom se não houvesse a repressão. Libera, que é muito melhor. Vamos ganhar dinheiro através do imposto”. Eu escuto isso com muita pena, porque acho que essas pessoas não tiveram a oportunidade de ver o estrago que a droga faz nas famílias. Falar isso é falar do ponto de vista da saúde. O assunto álcool e drogas faz intercâmbio com outros temas como educação, saúde, direitos humanos, segurança pública, idoso, juventude, logo precisa ter várias visões. A pessoa que só vê a droga como fator de repressão está vendo muito pouco. Assim como as pessoas que só querem discutir o uso de álcool e drogas sem discutir a violência, ou usar a parte da violência para dizer que tem que liberar.
SSDPFRJ: Você falou que trabalhou com a prevenção de drogas quando presidiu o Sindicato entre 2000 e 2003. Como foi essa experiência?
FD: Ali eu conheci o Projeto ‘O Brasileirinho’, que era uma cartilha desenvolvida pelo publicitário Elio Carmagnani. A partir dessa cartilha, fui a escolas, igrejas, condomínios, empresas, distribuir e fazer palestras sobre o tema. Até na novela “O Clone”, eu e um grupo da PF, participamos, por causa dessa cartilha. A novela fazia um trabalho social sobre dependência de drogas. Também compareci à Bienal. Minha ideia, como presidente do SSDPFRJ, era aproximar a população da Polícia Federal, mostrar nosso trabalho.
SSDPFRJ: Você vem de uma família simples e considera sua trajetória bem-sucedida. Como foi chegar à PF aos 22, para trabalhar na fronteira?
FD: Sou de Guadalupe, subúrbio do Rio. Minha mãe ficou viúva aos 22 anos e não pôde me criar. Fui criado pela minha madrinha. Só fui ter mais contato com minha mãe e meus quatro irmãos aos 8 anos. Aos 9, eu já trabalhava na feira. E, aos 13, fui lavar louça no comércio. Por isso que digo que dificuldades não são desculpa para se envolver com drogas ou a criminalidade. Mais tarde, passei para a PF e fui para Corumbá (MS).Na época que entrei, tinha sindicância, entrevista, psicotécnico. Eles nos testavam ao máximo, faziam de tudo para deixar você desconcertado. Tinha que ter atitude, poder de decisão, suportar pressão. Eu me realizei na fronteira. Andei a cavalo, conheci o Pantanal, queria ir a todas as operações. Era muito legal. Viajei muito. Chamava a PF de ‘Federal Tour’. Mas, meu local preferido foi a DRE. Gosto de estar nas ruas. Já como Agente da Polícia Federal, me formei em Direito, pela UFRJ. Fui o primeiro da minha família a ter diploma de ensino superior.
SSDPFRJ: Você tem um estilo de vida saudável. Como esse hábito entrou em sua vida?
FD: Na DRE, a gente tinha um grupo de amigos. Saíamos e bebíamos muito. Mas teve uma hora em que fiquei preocupado. E decidi parar de beber. Nessa época, eu tinha uns 40, e vi uma capa de revista com o Abílio Diniz numa academia, aos 60 anos, e pensei que queria chegar àquela idade como ele. Então, além de cortar o álcool e o refrigerante, comecei a malhar todos os dias. Faço isso até hoje. A bebida atrapalhava meu desempenho. O álcool é uma das piores drogas. Ele leva 3 milhões de pessoas à morte, sem contar a violência, as brigas que provoca.
SSDPFRJ: Diga-me algo que não sei.
FD: Um sonho que eu tenho é ver o tema Cidadania, Álcool e Drogas sendo tratado como disciplina nas escolas. No começo, vários fatores levam o indivíduo a usar álcool e drogas. Gosto de frisar o poder de dizer ‘não’, que é difícil. O menino não diz, porque quer fazer parte do grupo, quer ser aceito. A menina começa a namorar um cara que usa, e aí começa a usar também. Os filhos veem os pais fumando cigarro, bebendo desde cedo. Existe também a falta de informação. Esses assuntos precisam estar nas escolas.