Campanha dos delegados federais vende para a população a autonomia que a PF já possui
Campanha vem seduzindo a população
O que está por trás da “isca” da autonomia da polícia Federal é a tentativa dos delegados de Polícia Federal de mudar a Constituição Federal para que tenham super-poderes e se desvinculem do Ministério Público. Há pouco tempo os delegados já lutaram pela aprovação da PEC 37, que também chamaram de “PEC da Autonomia”, mas que a população apelidou da “PEC da Impunidade”, que foi rejeitada após uma grande mobilização nacional. Um gasto milionário dá suporte a essa estratégia dos delegados, que vem ganhando popularidade e muitos adeptos.
A PEC 412 propõe autonomia financeira e funcional para a PF, condição que somente existe para os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e o Ministério Público. Estando a Polícia Federal, desde a Lei 13.047/2014, sob a direção dos delegados de polícia federal, esses pretendem deter um poder sem controle sobre o órgão e os demais cargos. O texto dá poderes aos delegados para que possam postular diretamente em juízo, sem o crivo do Ministério Público; para que possam enviar diretamente ao Congresso Nacional proposta sobre criação e extinção de cargos; para que possam fixar os seus próprios subsídios e o dos demais policiais federais e servidores da Polícia Federal.
Estado Policialesco no Brasil
No artigo intitulado “A quem interessa um Estado policialesco”, o Sub-Procurador Geral da República, Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, explica: “Se a PF já dispõe da autonomia investigativa que diz buscar, no fundo, o que almeja com essa PEC 412 é o mesmo objetivo visado com tantas outras reivindicações normativas pretéritas e futuras: concentração de poder, isto é, atributos estranhos à função de investigar crimes. A autonomia facilmente se converteria em soberania, pois seria virtualmente impossível resistir às pretensões de uma polícia dotada de tamanhos poderes. Qual deputado votaria contra sua pretensão orçamentária? Que consequências sofreria um juiz que indeferisse uma representação por escuta telefônica ou prisão preventiva?”.
Continua Vasconcelos: “O que querem, afinal, os delegados? Um olhar retrospectivo e uma leitura cuidadosa de textos corporativos revelam que a voracidade das associações de delegados (não necessariamente de todos os delegados federais) é insaciável para o futuro. Apesar dos frequentes embates com o MP, eles na verdade querem ser juízes sem perder a direção da investigação policial, daí essa canhestra figura do “delegado-jurista”, que, junto com a hipertrofia da categoria, tem sido disfuncional à capacidade operacional das polícias”.
Polícia Federal com mais poder que as forças armadas?
O artigo 142 da Constituição dispõe que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, (…) da lei e da ordem.” Para Vasconcelos, “a mensagem é clara e transcende as próprias Forças Armadas: a instituição armada se subordina ao poder civil, isto é, ao voto. Não será a polícia que se subtrairá à legitimidade que provém do sufrágio popular, que é de onde emana a soberania”.
Vasconcelos alerta: Não há exemplo no Direito comparado ou na História de polícia autônoma em relação ao estado, nem de democracia que tenha sobrevivido a forças armadas ou policiais desvinculadas de controles. Aliás, democracia não convive com poder sem controle, sobretudo poder que tem o emprego de arma e violência como ferramenta de trabalho. O poder civil e desarmado controla o poder armado, que usa as armas em nome do povo. Quem escolhe uma profissão que usa armas e violência deve estar ciente de que terá que cumprir ordens.
Violação ao Estado Democrático de Direito
A Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR, emitiu Nota Técnica sobre a PEC 412, que cita: “É inconcebível, em um estado democrático de direitos, que agentes armados não estejam subordinados à autoridades civis e submetidos ao regime hierárquico. A independência funcional não se concilia com instituições armadas”. “Nenhum Estado de Direito, nenhuma Democracia jamais pretendeu – certamente por coerência a seus princípios – elevar a Polícia ao grau de uma magistratura armada, cujos riscos, evidentes, prescindem de maiores explicações. Cuida-se de um rematado delírio”.
O Presidente da ANPR, Alexandre Camanho, afirmou ainda na nota que: “E preciso lembrar que a Constituição de 88, para coibir abusos praticados pela polícia durante a ditadura militar, consagrou como peça fundamental do referido sistema de freios e contrapesos, o controle externo da atividade policial ao Ministério Público. Delegados independentes podem despender recursos públicos na execução de diligências dissociadas da finalidade última do inquérito policial, que é a de subsidiar a formulação da denúncia. Estar-se-ia, em tal contexto, não em um regime de autonomia ou independência e, sim, de liberdade de agentes públicos armados, o que afronta qualquer noção de estado de direito e cria perigosa organização hermética, indômita, incontrolável e tutelada por pares, sem qualquer vínculo institucional com as balizas do estado de direito“.
Entidades de classe da PF desaprovam a PEC 412
O Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, André Morisson divulgou nota onde diz que, caso a PEC seja aprovada, ela simplesmente ampliará os poderes dos delegados, mas não resolverá problemas internos da polícia. Ele destaca que, sem uma reestruturação no papel de agentes e peritos, a PEC transformará a PF num órgão de delegados, não de policiais. “A aprovação da PEC não resultaria em maior efetividade no combate à corrupção, uma vez que não está se pensando na autonomia e independência das investigações”, afirma Morisson.
Em nota, o Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais – FENAPEF, Luis Boudens, afirmou que a campanha pela autonomia da Polícia Federal é classista e oportunista e denunciou o uso da imagem da Polícia Federal para fins corporativistas pela entidade de classe dos delegados, sob o falso argumento de falta de autonomia. “A autonomia anunciada nessa proposta não é para o combate à corrupção, mas para estender privilégios a uma casta do funcionalismo público sem ter que dar satisfação ao contribuinte e às instituições”, resume Boudens.
A FENAPEF considera fundamental a permanente autonomia investigativa da Polícia Federal e apoia o trabalho da força-tarefa da Operação Lava-jato, em especial dos Agentes Federais, que vem promovendo uma investigação independente e isenta de interferências políticas, balizada do fiel respeito à legalidade e à obediência à Constituição Federal do Brasil.
A PEC 412/2009 é de autoria do Deputado Federal Alexandre Silveira (PPS/MG) e encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O relator da PEC é o Deputado Federal, e delegado de polícia, João Campos (PSDB/GO).
Agência Fenapef