O Código de Processo Penal (CPP) brasileiro é da década de 40. Nesse período, o Brasil enfrentava uma ditadura e até hoje as normalidades democráticas garantidas pela Constituição de 1988 não chegaram ao CPP. Projetos tramitam há anos pelo Congresso visando à modernização, racionalização e adequação das normas ao que já está estabelecido em outros países. Na manhã desta quinta-feira (3), a comissão especial que analisa o projeto do novo CPP (PL-8046/10) promoveu audiência pública na Câmara dos Deputados. A ideia é conseguir índices menos sofríveis de conclusão de processos penais e solução de crimes. Desta vez, a pedido dos deputados Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Marcelo Freixo (Psol-RJ) e Hugo Leal (PSD-RJ), foram avaliadas a investigação criminal e a figura do juiz de garantias. A audiência foi presidida pelo deputado Fábio Trad (PSD-MS).
O objetivo da figura do juiz de garantias é assegurar mais direitos tanto aos investigados quanto às vítimas. Ele seria responsável pela análise do processo, enquanto a condenação seria imposta por um outro magistrado. Hoje, o mesmo juiz que dirige todo o processo é responsável pela sentença, exceto em casos julgados pelo Tribunal de Júri. Para muitos especialistas – vários dos presentes na audiência pública -, isso compromete a imparcialidade do julgamento.
O projeto chegou a ser discutido na legislatura passada, mas o substitutivo, apresentado pelo deputado João Campos (Republicanos-GO), não chegou a ser votado e voltou agora para apreciação.
Ciclo único de investigação
O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens, explicou em seu depoimento que a figura do juiz de garantias é uma espécie de mediador nos processos de investigação e persecução criminal. “O juiz de garantia é uma consequência e decorre da necessidade de termos uma parte do juízo afastada da que vai se incumbir da decisão do processo. É ele quem deve fazer o controle de legalidade da investigação e a salvaguarda dos direitos individuais”, disse.
Atualmente no Brasil, a investigação é extremamente burocrática, avaliou Boudens. “Há uma série de repetição de atos – oitivas, depoimentos – como se houvesse necessidade de haver a confirmação, na fase judicial, daquilo que foi feito na fase policial e isso significa pilhas e mais pilhas de papel”, criticou.
Boudens defendeu o que chamou de polícia completa: aquela que investiga, apura, está em contato direto com as pessoas. “No Brasil, temos polícias distintas fazendo o mesmo papel. Isso significa burocracia, desestímulo dos policiais, perda de provas, enfrentamentos entre policiais e o Ministério Público”, enumerou.
A investigação, no Brasil, não se inicia depois do crime. “Nós prestigiamos a burocracia, porque começamos com boletim de ocorrência, um laudo pericial que pode levar mais de trinta dias para ser concluído. Só depois o delegado toma conhecimento do que ocorreu. Aí então, o delegado precisa usar o princípio da seletividade, porque os processos vão se amontoar”, discorreu.
Para o presidente da Fenapef, as polícias deveriam trabalhar de forma cíclica, num clima de união, mas isso está longe de ser realidade hoje. “O ciclo completo de investigação não é uma oportunidade apenas. É uma obrigação. Ele tem que ser instalado no Brasil imediatamente. A forma como isso vai ser feito, se teremos um período de adaptação, é uma discussão que podemos fazer. E o momento é agora”, disse. Ele acredita que a renovação do Congresso Nacional e o posicionamento marcante da sociedade, que colocou a Segurança Pública como a primeira de suas prioridades – juntamente com a Saúde -garantem essa urgência. “A discussão do ciclo completo e do CPP estão atreladas. Não vai ser possível fazer discussões separadas”, afirmou.
Freios e contrapesos
O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente do Observatório da Mentalidade Inquisitória, Marco Aurélio Nunes da Silveira, disse que a figura do juiz de garantias busca evitar a contaminação do juiz de mérito com quem comada a investigação.
Advogado e professor da Universidade Federal Fluminense, Cláudio Pereira de Souza Neto falou sobre a importância do juiz de garantia como um sistema de freios e contrapesos dentro do Código de Processo Penal. “É assim na Europa, onde temos um magistrado que investiga e outro que julga. No Brasil, há concentração de poder. Nós precisamos cuidar com mais atenção das atribuições que cabem a cada órgão”, disse.
Geraldo Prado, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) pede atenção à condução do processo investigativo: “O Estado não está autorizado a cometer crimes para investigar crimes”, alertou.
Também compuseram a mesa a subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Frischeisen e o 1º vice-presidente parlamentar da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Rodolfo Lacerda.