26 de março de 2024

Março é o mês das mulheres e o SSDPFRJ teve a honra de entrevistar, como Personalidade do Mês, a APF aposentada Magda Fraga, que é a primeira Secretária de Segurança Pública na cidade de Arraial do Cabo. Pioneira na Delegacia de Araguaína, estado de Tocantins, em 1999, nesta entrevista, a policial veterana fala da luta de ser mulher e policial. Entre assédio moral, troca de tiros e vida familiar, Magda é formada em Psicologia, com pós-graduação em Segurança Pública pela ANP e trabalhou durante 23 anos na PF, de onde guarda passagens marcantes, na Área Operacional, no Núcleo de Operações, no Setor de Inteligência e ainda como instrutora da Academia Nacional de Polícia (ANP), em Brasília.

1. Quanto tempo você ficou na Polícia Federal? Onde foi sua primeira lotação?
Magda Fraga: Fiquei 21 anos. Tinha 37 quando entrei para Polícia Federal e já era formada em Psicologia. Minha primeira lotação foi em Araguaína, no estado de Tocantins, em 1999. Fiquei quatro anos e meio ali. Uma delegacia muito pequena, onde eu fui a primeira mulher. Tenho um carinho especial por todos daquele lugar, do qual coleciono boas lembranças. Quando fui para lá, meu filho tinha apenas dez anos e eu precisava conciliar a vida corrida de policial com a de mãe. Sempre gostei da atividade policial de rua, de investigação. A equipe era pequena e parecíamos uma irmandade, depois de ter passado por algumas resistências após minha chegada. Na minha despedida, fiz uma feijoada na minha casa para os meus colegas. Essa feijoada foi emocionante, porque recebi homenagens de todos, inclusive do meu superior, agradecendo o grande empenho e o aprendizado como a primeira mulher na Delegacia.

2. Como é ser mulher, mãe e policial federal ao mesmo tempo?
MF: Como mulher, precisei quebrar barreiras e mostrar minha competência, principalmente em operações nas favelas. Apesar de ter feito Psicologia, nasci para ser policial. Como policial, lá em Araguaína, foi minha verdadeira escola, pois, aprendi muito e construí laços de amizade com os moradores, que duram até hoje. A delegacia era muito pequena, então fazíamos de tudo e, depois, com a chegada de um novo delegado, pegamos muita experiência, pois ele gostava muito de rua. Como mãe, meu coração ficava apertado com as viagens longas que precisava fazer. O tempo longe do meu filho era a parte ruim, mas recebi acolhimento e consegui conciliar ambas as coisas. Hoje, meu filho, Yuri Fraga Martins Marinho, tem 38 anos, é técnico em mecatrônica, casado e pai de dois filhos, de 10 e 4 anos.

3. Como foi sua passagem como instrutora da Academia Nacional de Polícia (ANP), em Brasília?
MF: Minha primeira formação é como professora. Dei aula durante muito tempo para crianças e, logo após, fiz Psicologia. Então, dar aula na Polícia foi uma experiência maravilhosa e marcante, principalmente porque nossas aulas eram todas práticas. Fiquei como instrutora apenas durante um mês e meio, por conta de um acidente que tive nos pés. Depois voltei para Academia para participar do Curso Tático de Operações (CTO), já para policiais e não alunos. Também foi uma experiência incrível.

4. Como a Psicologia a ajudou como policial?
MF: A Psicologia me ajudou a suportar meus maiores desafios dentro da Polícia. Se não fosse o preparo que a profissão me trouxe, talvez tivesse desistido logo no início, mas sempre mantive minha lucidez. Mesmo sendo policial, me considero apaixonada por Psicologia. Sempre que posso, faço palestras sobre relacionamento interpessoal, liderança etc. Acho a Psicologia indispensável durante uma investigação, um interrogatório e no trabalho em geral do policial.

5. Você, como psicóloga, explica o alto índice de suicídios na PF?
MF: É evidente que vivemos em uma sociedade com pessoas que estão visivelmente abaladas emocionalmente e que enfrentam conflitos internos gigantes. Como psicóloga e policial, vivo essa realidade diariamente e acredito que estar com uma arma na mão facilita o ato. Para combater isso, devemos ter políticas que prezem pela saúde mental do policial. Aproveito para parabenizar o SSDPFRJ pelo trabalho de apoio aos sindicalizados, oferecido pelo Departamento de Psicologia.

6. Você viveu a Polícia de outros tempos. O que percebe de diferente na atividade policial de hoje e da época quando estava em atividade?

MF: A Polícia de hoje é muito centrada. Antigamente, os policiais corriam atrás da operação mesmo. O exemplo disso foi o delegado que citei, vidrado em assaltos a banco, mesmo não pertencendo, por vezes, à nossa jurisdição. Antes, o policial queria resolver o problema e não se ligava muito na questão burocrática. Tinha sangue investigativo, sangue policial. Já os policiais de hoje vêm de uma nova formação mais concurseira, são tão capacitados intelectualmente que conhecem mais os seus direitos e não entram em qualquer lugar, nem fazem qualquer tipo de operação. Os cidadãos da minha geração eram mais tradicionais, a educação era mais rígida. Nem a Polícia Civil, nem a Polícia Militar segue o padrão mais antigo; mesmo os policiais, sabendo que estão numa guerra de verdade, são mais retraídos.

7. Quais foram suas experiências mais marcantes?
MF: Em Araguaína, participei de um tiroteio. Eu era nova na Polícia, mas não podia demonstrar medo, ainda mais sendo mulher, deveria demonstrar competência. Os assaltantes invadiram a fazenda e foram para uma área de mata, entraram na mata e nós fomos atrás deles, eles começaram a atirar e não podíamos vê-los, mas eles conseguiam nos ver. Nessa operação, um colega levou um tiro e não pudemos levantá-lo, para o estrago não ser maior. Esta experiência me marcou muito.

8. Como é hoje sua experiência na Secretaria de Segurança de Arraial do Cabo?
MF: Fui a primeira Secretária de Segurança Pública de Arraial, e isso deu o que falar, tanto positiva quanto negativamente, mas não tenho nenhum tipo de problema em comandar. Lido muito com os coordenadores e sempre tive uma aceitação muito boa da parte deles. Comecei lá como assessora do primeiro secretário, o Dr. Daniel. Ele ficou apenas seis meses e vieram outras pessoas, mas eu continuei. Em abril de 2023, o secretário precisou sair e, eu, por conhecer tudo ali, acabei assumindo a Secretaria. Chamei o André, que hoje é meu subsecretário e Policial Federal aposentado, e estamos fazendo um trabalho incrível por lá. No último Carnaval, por exemplo, não tivemos grandes intercorrências, mesmo com a cidade lotada.

9. Conte-me algo que eu não sei.
MF: Quero lhe dizer que me sinto muito realizada com os feitos na Polícia Federal e, agora, à frente da Secretaria. Cheguei ao auge da minha carreira policial, fui operacional, prendi muita gente, deixei minha contribuição para a sociedade. Quando aceitei o cargo de secretária, não foi porque o almejasse, mas as coisas foram acontecendo e hoje estou aqui. Digo às mulheres que sonham: vocês podem, sim, ocupar cargos de chefia. Gostaria também de agradecer ao meu amigo André, que trabalhou comigo na Polícia e hoje desempenha um papel fantástico como subsecretário, na Secretaria de Segurança Pública de Arraial do Cabo.

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