HUGO CORDEIRO: POLICIAL RAIZ

21 de dezembro de 2020

“Você contrataria para dar aula de natação para o seu filho um professor que nunca entrou na água?” É esta a resposta que o APF aposentado, instrutor de armamento e tiro e técnico em enfermagem, Hugo Baptista Aroucha Cordeiro, 66, dá quando aparece um aluno que iniciou o treinamento com um professor que não tenha experiência em combates.

Com cerca de 30 anos de Polícia Federal (1978-2005), a Personalidade do Mês de Dezembro coleciona histórias marcantes. Uma delas é a troca de tiros no Morro do Amor, em Lins de Vasconcelos (RJ), quando era lotado na DRE. Quase morreu, ou melhor, nasceu de novo. Hugo atuou como enfermeiro da Polícia Civil, entre 1975 e 1978, no Corpo Marítimo de Salvamento no Centro de Recuperação de Afogados da Barra da Tijuca, serviço extinto em 1985, que foi precursor dos atuais Grupamentos de Salvamento Marítimo do Corpo de Bombeiros. Na década de 1990, ele voltaria para a Civil, cedido pela PF. Dessa vez, participou de muitas operações aéreas e chegou a ser Coordenador de Operações Especiais.

Credenciado pelo Departamento de Polícia Federal (DPF) e o Exército Brasileiro, e com passagens por cursos da Academia de Polícia do Rio, da United States Police Instructor Teams (USPIT), da Polícia e Corpo de Bombeiros de Miami (EUA) como o Swat Medic e da Fort Lauderdale Tactical Firearms Academy, entre outros, Hugo fez parte da criação da International Defensive Pistol Association Brasil (IDPA Brasil) e também elaborou cursos de instrutor de armamento e tiro para a Confederação Brasileira de Tiro Defensivo e Ansef-RJ. Seus mais de 20 anos de experiência como instrutor fazem dele uma referência no mercado brasileiro. Apaixonado por armas e filmes de cowboy, casado, e pai de uma moça, ele relembra os tempos na PF, na Civil, e fala de seu trabalho atual como avaliador e instrutor de armamento para pessoas que querem ter uma arma.

SSDPFRJ: O que é necessário para ser um bom instrutor?

HC: Acho importante que tenha trocado tiro, tenha vivenciado a rotina das ruas ou de combate. Se o cara é policial, presume-se que ele tenha experiência. Hoje, com a internet, é muito fácil verificar o passado profissional das pessoas. Se você colocar, no Google, ‘tiro tático’, vai aparecer um monte de gente. Hoje, todo mundo dá aula de tiro. Então, pesquise se eles realmente são os profissionais que se apresentam ser. O curso básico de tiro, qualquer instrutor pode ensinar. Geralmente, são de tiro esportivo. Mas, tiro tático, policial e de combate, se não for policial, não terá experiência. Ele não trocou tiro, não vivenciou. Dar tiro no stand, parado, em quem não se mexe e não atira de volta é uma coisa. O alvo de papel não se move e não atira de volta, então, você tem que se mover. Se for trocar o carregador, diminua a silhueta e se abrigue. Tomar tiro sabendo que pode morrer, que a sua hora está chegando, e ter que reagir é outra coisa. Atirar caminhando também. Você não acerta o alvo. Existe uma maneira certa de andar. Também é importante treinar com alvos diferentes. O alvo colorido, que é o da prova de porte de arma, faz você se mover no lugar dele. Às vezes, a pessoa é 10 no alvo humanoide, mas a maioria das reprovações acontece no alvo colorido.

SSDPFRJ: É difícil atirar, aprender a dar tiro?

HC: Eu não vejo como difícil. É uma receita de bolo. Se você a seguir, dará certo. Não tem um aluno que eu tenha ensinado que não tenha acertado o alvo. Sempre digo: “O que mata são as mãos, de olho sempre nelas”. Mas há diferentes perfis de aluno. Os mais difíceis são aqueles com pouca formação. Eu aprendi com um médico, trabalhando no setor de Operações Aéreas, na Civil, que, infelizmente, as pessoas que tiveram uma alimentação pobre em proteínas na infância podem crescer com déficit de raciocínio e compreensão. Então, alguns iniciantes já trazem as dificuldades com eles. Mas há aqueles que querem comprar uma arma. Fazem os cursos para ter uma arma e defender a família. Esse é um cara mais consciente, assimila melhor as aulas.

SSDPFRJ: Como você considera a posse e o porte de arma hoje?

HC: Melhorou muito. Além de instrutor, eu sou avaliador. Só não posso avaliar aquele para quem eu dou o curso. Ou eu dou o curso, ou eu avalio. Agora, eu sou o avaliador oficial do Ministério Público Estadual e Federal e da Justiça Estadual e Federal. Sou credenciado pela PF. Também faço quase todas as provas das Guardas Municipais do Estado. Antes, no regime antigo, o cidadão comum podia ter seis armas. O policial podia ter oito. Agora, ambos podem ter quatro. Quem controlava isso era o Exército. Hoje, tem a PF também. É mais fácil tirar por aqui. Em 30 dias, você está com uma arma na sua casa. A prova tem a parte teórica com 20 questões sobre nomenclatura de armas, normas de segurança, conduta de segurança em stand com armas de fogo e estatuto do desarmamento. Passando nessa fase, tem a prova prática em que você dá 20 disparos: 10 a 5 metros, e 10 a 7 metros. Você tem 40 segundos para cada 10 tiros. Não é tão fácil assim. É um tempo bom. Aí, você pode ter a posse de arma em casa.

SSDPFRJ: Na PF, qual foi a sua experiência mais marcante, a divisão em que mais gostou de atuar?

HC: Minhas grandes experiências policiais foram na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). Foi a minha melhor lotação. Era muito tiro, muita confusão. Lá, é um trabalho policial propriamente dito. Tinha meta para bater, um flagrante por semana, senão, tomávamos um pé na bunda. O trabalho era ir para a rua. Foi numa dessas que eu quase morri. Estava cercado, e fui baleado em uma troca de tiro num barraco, no Morro do Amor. Levei três tiros. Um passou bem perto do meu rosto, outro foi na altura do peito, que pegou no meu casaco. Tenho a japona até hoje. E teve o tiro da mão que foi o que me atingiu mesmo. Mas eu achei o tempo todo que estava baleado, porque tiro você só vai sentir depois, quando passa a mão. Pensei: “Paguei minha faculdade ontem e não vou me formar”. Lembrei-me do filme “Os imperdoáveis”, em que o personagem diz: “Eu não acabei meu telhado, não posso morrer agora”. Mas fiz também segurança de dignitários. Tinha sempre muita visita de autoridades aqui no Rio, muito rei, rainha, primeiro-ministro. Ou eu era um dos quatro homens que cercavam a autoridade, ou o chamado homem-mosca, que fica colado no dignitário.

SSDPFRJ: Como foi o período em que atuou na Policia Civil?

HC: Fui enfermeiro do Corpo Marítimo de Salvamento, quando existia o Estado da Guanabara. Hoje, os bombeiros são guarda-vidas, mas, na época, não eram. Esse órgão existiu entre 1917 e 1985. Fiz curso de salvamento de afogados junto com o de guardião de piscina e guarda-vidas das praias no interior, como Araruama, Cabo Frio e Saquarema. Os guarda-vidas no interior que não eram da Polícia, eram da prefeitura. No início, não sabiam que eu era técnico em enfermagem, mas, quando descobriram, me mandaram para o Centro de Recuperação de Afogados da Barra da Tijuca. Fiquei lá cerca de quatro anos. Quando faltava médico, eu cobria. Fazia todo tipo de medicação, atendimento de parada cardíaca, primeiros-socorros. Estudava na Escola de Enfermagem Anna Nery. Sempre quis fazer Medicina. Estava encaminhado para a área de saúde, até que vi um cartaz anunciando um concurso para a PF, me inscrevi e devorei o livro que me emprestaram sobre Direito Penal e passei. Nos Estados Unidos, tem um estudo psicológico que relaciona essas três profissões: bombeiros, emergências médicas e policiais. Quem gosta de uma, gosta das outras. Eu era assim. Depois, me formei em Direito, que eu não gosto. Gosto é de colocar bandido em cana, não de tirar.

SSDPFRJ: Há muita diferença entre a polícia da época em que você entrou, em 1978, para a polícia de hoje? Quais são?

HC: Quando entrei, ganhávamos menos do que um salário de motorista de ônibus no Rio. A gente trabalhava por amor. Tínhamos independência. A gente saía da delegacia e voltava 15 dias depois com o serviço feito. Caíamos dentro. É inadmissível uma polícia que tenha ponto, como há hoje. Crime não tem hora para acontecer. Também tínhamos informantes confiáveis, que, às vezes, acabavam trabalhando na delegacia. Não eram X9. Hoje, a Federal é mais para carregar malote e computador. Fala-se muito de inteligência, mas a polícia tem que ter campo também, estar na rua, ter contato com o informante. Não basta grampo. Polícia não tem bola de cristal. Trabalha com informação. Hoje, você só sai com ordem de missão, porque há uma desconfiança muito grande, e uma burocracia desnecessária, que parece que existe para travar o sistema. Quando entrei, também era possível fazer prova para ser delegado internamente, quando se chegava ao último nível da carreira, e se fosse bacharel. A maioria dos verdadeiros delegados de polícia foram detetives, da Polícia Especial do Getúlio, policiais de vigilância e agentes da polícia judiciária. Esse cara, quando chega a uma delegacia, ele conhece tudo. Ninguém dá a volta nele. Hoje, tem um garoto bobo, que sai da faculdade com 22 anos, passa no concurso e chega querendo mandar. Ele não vai para a rua. Quem vai é o policial. O delegado chama a imprensa, coloca a gravata, dá entrevista e sai na Globo, na Record, com quatro reportagens. Fica famoso, vai ser candidato e se manda da polícia. Estão ali apenas em benefício próprio. São propaganda enganosa.

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