Personalidade do Mês-DRE na Veia: APF Nogueira e seus 34 anos de dedicação à Polícia Federal

1 de março de 2021

Com 34 anos de Polícia Federal, o APF José Antônio Nogueira, 60, também conhecido como Bebeto, já poderia estar aposentado há seis anos. Ele ganhou o apelido dos colegas mais experientes por causa do jogador de futebol, mas hoje é chamado de Nogueira pelos policiais mais novatos. Carioca de Bonsucesso, marido de Irani e pai-avô, como ele se intitula, de Rafaella, 10, sua “paixão”. Iniciou sua vida policial no Acre, sua primeira lotação, onde também conheceu a primeira esposa, Rita, falecida em 2003, com quem teve a filha mais velha, a corretora de imóveis, Aline, 31.

Bebeto é considerado um highlander quando se trata da DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes), pois sua vocação para ser policial vem adiando a sua aposentadoria. Nogueira vai somando inacreditáveis 31 anos na Entorpecentes. Durante esse tempo todo, além de colecionar projetos de integração entre a Polícia Federal e a sociedade, como palestras sobre cães e de combate às drogas em colégios públicos do Rio de Janeiro, Nogueira foi espectador de uma série de mudanças no Departamento e admite que o trabalho o deixa alerta.

Nogueira entregou, literalmente,grande parte de sua vida à instituição. Em troca, viajou o Brasil pela Polícia Federal, participou da prisão de grandes traficantes, como Nem, Fernandinho Beira-Mar e Escadinha. Durante a entrevista que segue abaixo, Bebeto nos deixa o recado de que, para ser policial, é preciso vocação, paixão e dedicação por aquilo que faz.

SSDPFRJ: Você está há 31 anos em uma mesma delegacia, a DRE. A que mudanças assistiu no modo de investigar, na criminalidade e na violência?

José Antônio Nogueira: Na época mais antiga, a Polícia e as pessoas eram mais unidas. As dificuldades uniam. Hoje, tudo é mais rápido. Saímos menos do prédio para investigar. Tem mais tecnologia. Mas, hoje, é mais violento. Naquela época, a gente entrava em qualquer favela do Rio. Hoje, você não entra se não tiver apoio de blindado, PM, BOPE, helicóptero. Tem que ter uma estrutura muito grande, um aparato de guerra. Naqueles tempos, os armamentos eram menores e mais lentos. Não havia fuzis. Então, o tiroteio era mais próximo. O cara estava a 2 metros dando tiro em você. Hoje, ele está a 2 quilômetros e você não vê essa pessoa. A corrupção está em todos os níveis, até porque o volume de dinheiro em que você mexe é muito maior. Antes, tínhamos carência de material. Íamos para a rua procurar as coisas. Corríamos risco. Tínhamos que ficar mais próximos dos lugares mais perigosos para investigar. Aí, era um protegendo e ajudando o outro. Isso gerava amizade. Hoje, as pessoas estão mais afastadas. Com a tecnologia e as redes sociais, você tem a falsa sensação de que possui mais amigos. Você conversa com muita gente que nunca viu. Não tem contato pessoal, é só virtual. Naquele tempo, não. Todo dia, o pessoal saía para tomar uma cerveja, se reunia. Hoje, é muito difícil se reunir. Na DRE, mesmo hoje, vamos mais para a rua do que em outras delegacias. Fica a sensação de um proteger o outro, porque existe um risco de vida maior. O grupo se une mais. Mas eu pensava, que, como cidadão, depois de 30 anos, iria deixar para meus filhos e netos uma cidade bem melhor. Não está. Na minha época, eu saía de casa, andava de ônibus e não era assaltado. Hoje, a violência é geral.

SSDPFRJ: O que você percebeu de transformações no perfil da corporação com a exigência do nível superior? Como é a convivência entre a geração de policiais mais velhos e essa geração de nível superior?

JAN: O nível intelectual aumentou muito. E nós tínhamos uma carência grande disso. Nós éramos 2º grau. Eu era. Só depois fui fazer Direito. Mas a tendência elitizou demais a Polícia. A PF tem uma parte muito forte de investigação que precisa da parte intelectual, de informática, de inteligência. E a rapaziada nova domina essas tecnologias. Nasceram com isso na mão. Eu tenho consciência de que eu não chego nem aos pés deles nessa parte. Eu não posso competir, mas, acho que, se o cara se incomoda, ele tem que estudar. Em compensação, na parte operacional, a Polícia teve uma queda forte. Quando fala para fazer, os caras correm. O atestado médico rola adoidado. Mas sempre tentei compreender as pessoas. Porque o pessoal mais antigo, de 10, 15 anos atrás, chegava a virar inimigo dos novinhos. Mas acho que a gente tem que viver a realidade. E a Polícia de hoje são eles. A gente está morrendo, ou se aposentando. Eles saem da Academia com essa cabeça. Nosso tempo passou. Eu aprendi muito com os mais novos. Ensinei, também. Quem é malandro aprende a absorver conhecimento. Agora há aqueles que preferem ficar criticando. Tem gente que envelhece e não aprende nada. Deixa-se levar por sentimentos como a vaidade. Mas, quando a gente é jovem, erra, porque é afoito. Tem vontade de aprender, de fazer logo, daí tropeça nas pernas. E, aí, ou tu aprende no amor, ou tu aprende na dor (sic). Quanto aos delegados, acho que eles se distanciaram muito da base. Uma parte deles ficou incomodada quando viu o nível do pessoal que começou a entrar. Moleque aí, com doutorado, mestrado. Os caras são altamente qualificados. E ainda tem os administrativos que são os caras que fazem o Departamento andar. Eles tinham que ter um reconhecimento maior.

SSDPFRJ: Como surgiu o trabalho do canil e o projeto de palestras sobre cães e drogas com outros colegas da DRE na década de 1990?

JAN: Sempre gostei de cães. Foi uma oportunidade que apareceu e fui fazer o curso de canil em Brasília. Eu e Fábio (APF aposentado, Domingos) fundamos o canil do Rio. A gente segura até hoje, mas, na época, foi muito difícil. Só tínhamos o cachorro. Não tinha carro, nem dinheiro para comprar alimento. Eu e ele pagávamos tudo. O cachorro ficava na nossa casa. A gente comprava a ração. Pagava remédio quando precisava. Aí, depois, entrou um superintendente que ajudou. Foi o único. Já as palestras, começaram comigo e Fábio também. Era uma iniciativa nossa de apresentar o trabalho com o canil, mas, como eram cães farejadores, a gente resolveu falar também sobre as drogas, o seu efeito maléfico, os vários tipos que existem, as reações que provocam no organismo. Um assunto foi puxando o outro. Apresentamos para o superintendente e o chefe de delegacia da época. A palestra fez muito sucesso também. Mas nunca foi institucional. E há uns cinco anos, mais ou menos, resolveram fazer na Academia um setor para formar palestrantes. O lado positivo é que realmente preparou melhor as pessoas. Há um material excelente. Só que eu não quis, porque discordei da maneira como estavam fazendo. Nós tínhamos uma linguagem mais popular e eles elitizaram demais as palestras. Com a pandemia, houve uma pausa. Hoje, Jardel, Bastos e Tufik, que fizeram os cursos, dão as palestras e eu vou por causa dos muitos anos que tenho. A gente leva o cachorro para fazer a demonstração na última parte da palestra. Já fomos a escolas como o Colégio Pedro II, Escola Naval e Militar e empresas como BNDES e Petrobras, por exemplo. O boca a boca vai divulgando o trabalho. É mais uma conversa com o público em que tentamos fazer com que eles tirem suas próprias conclusões sobre as drogas, que também é uma questão de saúde, não só de criminalidade. Para nós, o resultado é melhor do que a gente ficar na rua prendendo maconheiro. As crianças e adolescentes ajudam falando com os pais e irmãos. Quanto menos pessoa metida com droga mais para frente, menos trabalho para a gente. E também é uma chance de vender a imagem da PF. Porque nas palestras, não há aquela imagem de polícia truculenta. A instituição tem que ser preservada.

SSDPFRJ: A PF vai realizar um processo seletivo grande. Que conselho você daria para os jovens que pensam em ser policiais ou se preparam para este concurso?

JAN: Acho que o cara tem que se informar bem, porque o problema da Polícia é ficar vendo esses filmes americanos e novela da Rede Globo que só mostram o glamour. A garotada entra pensando nessa Polícia ostensiva que vê na mídia, mas, aos poucos, vão vendo que não é isso. A essência da PF é investigação. Ninguém precisa saber que a PF está lá. O policial sofre, porque, mesmo sendo Federal, que é uma atividade separada, com um nome mais forte, colocou Polícia, as pessoas discriminam. Pegam meia dúzia de vagabundos e generalizam. Se a Polícia é maltratada, ela vai responder do mesmo jeito, ficando rude. Eu ensino minha filha mais nova a cumprimentar os policiais militares nas viaturas. Eles ficam admirados. Não estão acostumados. Mas tem que valorizar os caras. Eles estão ali para proteger a nossa vida. As pessoas têm que entender, até mesmo aqui na PF, que é nível superior, que você é um funcionário para atender o público, não para maltratar nem para mostrar que você é superior. Quando abro para perguntas do público nas palestras sobre drogas, perguntam, agressivamente, sobre a corrupção na Polícia. Eu tenho colega policial militar que não tem carro. Trabalha de ônibus. Mas eu explico que a Polícia é o reflexo da sociedade. Aqui, estamos na corda bamba, perto de tudo. Eu digo aos colegas que não basta ser honesto. Tem que mostrar que é honesto. Dizer que não aceita drogas e contrabando de armas. Você tem que mostrar a sua posição para os que estão errados nem chegarem perto de você. Não pode ficar em cima do muro. Falo isso para os colegas novinhos. A Polícia me deu muito. Eu adoro a Polícia. Conheci o Brasil quase todo trabalhando. Conheci várias culturas, povos e pessoas. Minha filha nasceu no Acre. Conheci minha esposa no Acre. Formei minha família no Acre. Participei da prisão de grandes traficantes, como Nem, Fernandinho Beira-Mar e Escadinha. A Polícia somos todos nós. A Polícia é um órgão. É excelente. A única coisa que estraga, como estraga o país, é que ela é administrada por pessoas. Se fosse por robôs, estaria melhor. Outro ponto é que há campo para todo mundo. Mas acho importante saber se o cara tem vocação,porque, hoje, que tem salário bom e status, tem muita gente entrando sem ter perfil. O cara perde tempo, vai fazer essa caminhada e, lá na frente, vai se frustrar, porque fez uma coisa da qual ele não gosta.

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