Em 2018, uma pessoa foi baleada a cada seis horas no Rio

16 de maio de 2018

Registro de 521 baleados consta em levantamento do site Fogo Cruzado

Um olho vigiava o caçula, grudado ao colo. O outro, o filho do meio, que jogava futebol com os amigos, logo depois da aula, numa das quadras da escola, pertinho de casa. De repente, sem que qualquer barulho de disparo antecipasse a tragédia que estava por vir numa segunda-feira que parecia com tantas outras, a mãe viu seu bebê de 6 meses sangrar. Tinha sido atingido por um tiro dentro do Colégio São Vicente de Paulo, um dos mais tradicionais da cidade, no Cosme Velho. Ontem, poucas horas antes de o menino ser operado, em uma clínica particular na Lagoa, para retirar a bala que entrou pelo ombro e se alojou perto da medula, o pai da criança postou um desabafo numa rede social, demonstrando a perplexidade da família e de muitos cariocas. “Não existe lugar seguro no Rio de Janeiro… Nem na escola nem no aconchegante colo da mãe nossos filhos estão livres do perigo”.

A revolta do pai tem sido também a de muitas outras famílias. Um levantamento do site Fogo Cruzado mostra que, do início do ano até as 16 horas de ontem, 521 pessoas foram baleadas na cidade. Isso significa que, a cada seis horas, em média, um pessoa é ferida por disparo de arma de fogo no Rio. A violência não distingue endereço nem horário, tampouco poupa os indefesos. Na capital do estado, sete tinham menos que 11 anos. Na Região Metropolitana, o número é ainda mais dramático: 15 crianças entraram para a estatística. Ontem, na porta do colégio onde aconteceu o caso mais recente de bala perdida, envolvendo a mais nova de todas as vítimas, o clima era de medo entre pais, funcionários e estudantes.

— Hoje foi um dia de muita tensão, as crianças só falam sobre isso, estão muito impressionadas. É uma tragédia, a bala poderia ter parado na cabeça de qualquer outra criança — afirmou Priscila Vital, mãe de um aluno.

Segundo a polícia, não havia confrontos em comunidades próximas da escola na hora em que o menino foi atingido. O comandante do 2º BPM (Botafogo), tenente-coronel Carlos Henrique Martins Gonçalves, disse que o tiro pode ter sido disparado a esmo do Morro do Fallet, em Santa Teresa, ou de algum imóvel vizinho ao colégio.

— O São Vicente fica próximo à Rua Marechal Pires Ferreira. A escadaria que tem no local dá para o Túnel Velho, que sai no Fallet. Eu acredito que o disparo pode ter partido de lá — disse o comandante, para, em seguida, acenar com outras possibilidades. — São tantas probabilidades. Como pegou no ombro, veio do alto. Pode ter sido um idoso no Cosme Velho limpando a arma, que deu um disparo para o alto? Pode.

Para tentar esclarecer a trajetória da bala, policiais civis estiveram no São Vicente para tentar realizar uma perícia preliminar na quadra, que permanece aberta aos alunos. Como eles não encontraram no local vestígios suficientes para o exame, resolveram que farão uma reprodução assistida, em data a ser ainda definida.

Em comunicado enviado aos pais, o colégio se disse “abruptamente inserido no mapa da violência que assola o Estado do Rio de Janeiro”, e frisou ser necessário não se deixar levar pelo “desespero e falta de esperança”. À noite, a diretora médica do grupo Prontobaby, do qual faz parte o hospital onde o bebê foi operado, informou que o bebê baleado no Cosme Velho passou por uma cirurgia de duas horas, que transcorreu sem problemas. Médicos retiraram um projétil inteiro, que entrou pelo ombro e estava alojado perto da medula. Segundo a equipe, a criança não deverá ter sequelas, e vai ficar em observação no CTI por 48 horas.

— Se tudo correr bem, entre dois e três dias o bebê receberá alta — disse Gina Sgorlon.

Enquanto a família do bebê comemorava o “renascimento” do caçula, em outro lado da cidade Fábio Antônio da Silva era a imagem do sofrimento. Ele é pai de Benjamin, o menino de 1 ano e 7 meses que morreu ao ser atingido por um tiro na cabeça, numa das entradas da Favela Nova Brasília, quando a mãe comprava algodão doce— crime que ontem completou dois meses.

— De que vale a polícia atirar contra criminosos num lugar cheio de gente, imaginando que vai solucionar o problema da violência no Rio? O que eu mais queria não posso ter de volta, que é o meu filho. Mas eu quero justiça — disse Fábio, que esteve no Ministério Público para tentar obter notícias sobre a investigação.

Ontem, a violência também deixou órfão um menino de 12 anos que era criado pelo avô, o vendedor de legumes Francisco Nunes de França, morto por uma bala perdida na Rocinha, segunda-feira. “Você sempre foi mais do que um avô para mim, foi o pai que eu nunca tive”, escreveu o adolescente numa rede social.

Fonte: O Globo

 

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